20/02/2007

O Colecionador de Ossos

O último espaço livre da parede foi preenchido pela manhã, o Colecionador de Ossos fez mais uma vítima essa noite.

Nem mesmo as frestas de luz abertas pela janela são capazes de ofuscar sua obsessão.

Pela casa espalham-se diferentes ossadas, todas mulheres de diferentes idades e tipos, sua paixão não é nada seletiva ou preconceituosa.

Uma a uma, noite a noite, o Colecionador busca nos cemitérios pelos túmulos mais esquecidos e abandonados.

Em sua cabeça seu trabalho é de salvação, uma silenciosa luta para resgatar memórias esquecidas, condenadas ao silêncio da vida eterna.

Conhece e chama todas pelo nome, apesar de agora serem centenas nunca as confunde ou esqueçe. A elas dedica uma atenção que provavelmente nunca tiveram em vida.

Contam que seu amor é verdadeiro porque não cria expectativas, daquele tipo que se manifesta quando não há mais nada a ser alcançado.

Quando fui chamado para fazer o laudo da cena do crime não senti em momento algum repulsa. Pode parecer estranho, mas realmente aqueles ossos enfileirados pareciam ser gratos de alguma forma pelo esforço daquele homem.

Como se de alguma forma o amor pudesse alterar a expressão da morte, dessa forma para mim seu trabalho também era de salvação.

No entanto não entendia como alguém que se dedicava inteiramente a cuidar dos mortos, pudesse cometer um assassinato tão frio.

Na sala principal o sangue seco guardava um corpo feminino, marcado com o peso de sete punhaladas.

O julgamento foi rápido, causa fácil. Diagnóstico? Distúrbios mentais. Pena? Prisão perpétua, ou como dizem nos termos legais, isolamento em hospital psiquiátrico para tratamento de doença mental.

Assim naquela noite todos puderam dormir tranquilos, com a sensação de justiça feita.

Menos eu...

Para mim aquelas punhaladas não foram de ódio, mas de medo.

Pela primeira vez aquele Colecionador de ossos se envolveu com alguém que não podia prever, pela primeira vez teve contato íntimo com um ser humano vivo, de carne e osso.

A situação pela qual sonhou durante tantos anos aconteceu, uma amante, uma pessoa que sentia seu carinho e retribuia.

Assim seu amor foi testado e ele falhou.

Depois de tantos anos de preparação, cuidando, estudando e protegendo inúmeras ossadas abandonadas ele desenvolveu uma estranha habilidade de ver a vida na morte, no entanto quando os ossos tomaram vida e se materializaram em sua presença ele estremeceu, perdeu o controle.

Para mim o que levo daquele homem é essa grande mensagem, de que quando desejamos demais por algo, no fundo temos medo de que aquilo se realize, porque caso se torne verdade não teremos mais pelo que buscar, nem pelo que sofrer.

Difícil aceitar, quem lê provavelmente imagina se tratar de um grande absurdo, mas vejo ocorrer todos os dias nas mais diferentes situações.

Portanto tudo que posso lhe fazer é uma pergunta, pela qual não espero resposta.

E você? Onde tem guardado seus ossos?


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