06/07/2007

Como dizem, o remédio é amargo.

Foi sem querer que encontrei aquele pacote ali no canto esquecido do quarto, alguém deve tê-lo jogado pela janela e ele caiu num lugar escondido.

Apesar de misterioso não levou nem alguns segundos para descobrir sua origem, afinal era um pacote de balas e doces com a embalagem escrita em chinês.


Confesso que fiquei muito emocionado, gostaria de poder agradecer a pessoa por trás de tão carinhoso presente, mas era tarde demais, pela manhã ela tinha viajado para bem longe, sem dizer quando voltaria ou se voltaria.


Faz quase um ano que a conheci (puxa, um ano! Como passou rápido!) ela era uma senhora chinesa de 84 anos que permaneceu na casa alugada para qual eu havia me mudado.

Parece estranho, realmente é, o filho mudou-se para Manaus, mas ela não quis ir, por isso ficou acertado que ela poderia continuar morando na edícula no fundo do terreno.


Foi ela quem me deu o nome de Johnny, porque segundo ela, meu nome em português era muito difícil de pronunciar.


Foi uma relação à primeira vista, ela me adotou como neto e eu a adotei como vó. Eu era o único que a chamava de vovó.

Quantas vezes lembro-me de chegar cansado e ela ainda me oferecer algo quentinho para comer, enquanto aproveitava para me ensinar um pouco de chinês.

Lembro-me de um dia que ela chorava e chorava sozinha no banheiro, a nora havia sido rude com ela pelo telefone. Eu tentei acalmá-la, mas ela não conseguia parar de dizer o quanto se sentia injustiçada, eu apenas disse que ela não precisava se preocupar porque os olhos de Buda viam tudo. Ela abriu um sorriso e me abraçou.

Nesse último mês, entretanto se falei com ela mais de uma vez foi muito. Realmente estou trabalhando bastante, saindo cedo e chegando tarde, mas confesso que por vezes escolhi evitá-la.

Não foi algo planejado, foi apenas um sentimento que tinha de não querer vê-la.

Esse sentimento nasceu de algumas situações e conflitos que nasceram entre ela e algumas pessoas que frequentam a casa, mas nada contra mim, não havia real justificativa, minha mente dizia "deixe de ser frio, é uma senhora, sua vó, vá falar com ela ao menos por educação.", mas eu não ia.

E foi hoje à noite, pouco antes de escrever esse texto que entendi a raiz desse sentimento.

Sim, antes de você terminar de ler e achar que sou um monstro, não se esqueça que a um ensinamento nisso tudo.

Com 84 anos minha quelida vovó (como eu a chamava!) já estava cansada e sentindo o peso da idade, sua cabeça falhava e a memória a deixava na mão, não apenas eu, mas outras pessoas começaram a perceber que ela estava no início do Mal de Alzheimer.

Panelas deixadas no fogo, memórias antigas trazidas à tona como acontecimentos do dia, histórias recentes do marido que faleceu a mais de 10 anos e outros acontecimentos que não necessitam ser apresentados.

E como é comum dessa doença, ela não tinha consciência dos problemas.

Por muitas vezes sugerimos que ela visse com os filhos a possibilidade de contratar uma companhia, mas todas as tentativas foram em vão, segundo eles era um custo muito alto e não havia recurso financeiro suficiente. Pão duros!

Sem a alternativa de uma companhia a segurança de vovó e de nós estava ameaçada, um gás esquecido aberto e a casa iria pelos ares.

Já não bastasse isso, seu corpo também tivera sido muito castigado por uma pneumonia que quase a levou desse plano. Para ela pequenas caminhadas até a feira ou a farmácia se transformavam em árduas jornadas.

Não restava outra alternativa para ela a não ser mudar-se para Manaus para ficar novamente sob os cuidados do filho, mas essa era uma decisão que ela não tomaria, ela disse que NUNCA iria a Manaus, não queria deixar para trás a vida e os amigos que aqui tinha.

Porém a minha "frieza" no último mês, juntamente com uma "bronca" que um funcionário da casa a deu (e com justificativa!) fizeram com que ela se sentisse sozinha, solitária ao o ponto de repensar uma viagem para Manaus.

E assim ela partiu, com o coração um pouco triste, mas com a segurança de ter alguém para lhe cuidar e vigiar.

Entendo agora meu sentimento e como ele colaborou numa esfera maior para fazer o que era certo e necessário.

Fique com Deus minha quelida vovó, sabia que nunca lhe quis mal e que sou eternamente grato por tudo que me ofereceu. Muito obrigado, te amo.

Reverência...

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