23/07/2010

Cadê você?

“Essa vida é um sonho, que acabará num piscar de olhos. Lembre-se de quem você é...”

A voz que clama pertence ao mesmo que escuta, independente do corpo em que habita. Dizem que por trás da mente, por trás de tantos pensamentos e ilusões, existe algo chamado de Verdade e que redescobrir essa Verdade é a única tarefa real dessa vida, atingir a Iluminação.

Mas o que os pensamentos nos impedem de ver? Eles nos impedem de ver que a consciência dos pensamentos já é a própria consciência da Verdade.

Quem observa?

Não há resposta, nem ninguém para responder. A consciência que enxerga o por de sol de uma tarde de verão, a consciência que enxerga o time perder a final do campeonato, a consciência que enxerga a pessoa querida ir embora já é em si a própria consciência da Verdade. O céu poluído não deixa de ser céu; o oceano repleto de petróleo não deixa de ser oceano e a consciência preenchida pela mente não deixa de ser consciência.

Alguns pensam que existem níveis de Iluminação, como se fosse possível construir um ranking dos grandes mestres e das grandes mestras para premiar suas redescobertas:

“Jesus Cristo sets new World Record for fastest Ilumination”.

“Shakyamuni Buddha sets new World Record for deepest perception of the Nature of the Things”.

“Osho sets new World Record for manifestation of wisdom and compassion”.


No Zen Budismo dizem que a essência da vida, a Verdade, é guardada por um portal que não tem portões, em inglês The Gateless Gate. Mas o que existe do lado de dentro desse portão?

A partir do portão todas as respostas são apenas meras tentativas de descrever uma experiência que não pode ser descrita, como tentar descrever a sensação do contato da água com a pele, do sabor de uma pêra, ou do carinho de alguém que se ama. De qualquer forma, vale a tentativa.

Do outro lado do portão está o conforto de um banho quente após um dia cansativo, o relaxamento de adormecer após quitar a última parcela da dívida que se arrastava por tantos anos ou a liberdade de um adolescente que recebe a chave do carro do pai pela primeira vez. Essas sensações todas juntas e multiplicadas por 100, por 1.000, por 1.000.000.000.000.000.000.000.000!

Saber que existe algo além de nascimento e morte, além de felicidade e tristeza, algo que sempre existiu e que sempre existirá. Darwin ousou chamar a evolução dos seres vivos de “seleção natural”, permita-me chamar a experiência de reencontrar a Verdade de “sabedoria natural”.

Muitos dos que adentram o portão voltam para apontar aos outros o caminho. Cada um manifestando a “sabedoria natural” de sua forma, alguns com sermões, outros com milagres, outros com olhares, outros com paciência, outros com compaixão; alguns mais próximos dos deuses, outros mais próximos dos homens. Novamente, qual seria a utilidade de se classificar essas características?

Você é nesse exato momento aquilo que quer se tornar, você é nesse exato momento a própria Verdade; quando chora, quando rouba, quando ama, quando cuida, quando mata, quando limpa, quando busca e quando desiste. Apenas lembre-se de quem você é e não se contente com o que encontrar, até que reste apenas o eterno.


“Cadê você?! Cadê você?!” Eram os gritos que ecoavam do escuro da floresta. Corajosos os que se lançam nessa jornada. Mal imaginam que do outro lado do portão algo lhes espera avidamente:

“Onde estará ele? Já era hora de ter voltado. Será que aconteceu algo? Provavelmente deve estar entretido com alguma besteira por aí, de novo...”

16/07/2010

Você está preparado?

- Você está preparado?

Perguntou a Sumaúma ao pesquisador, que com um gesto da mão havia autorizado o lenhador a ligar a serra elétrica, que derrubaria a centenária árvore de quase quarenta metros de altura.

Intrigado por ouvir uma árvore falando, e rememorando se havia tomado o caldo de algum cipó que pudesse criar esses tipos de alucinações, o cientista decidiu romper todos seus paradigmas acadêmicos e interrogar a vítima de seus experimentos:

- Desculpe, não entendi.

- Você está realmente preparado para isso? Sua mente está realmente quieta, estabilizada e realizada? Completou a árvore.

Atônito o cientista não sabia o que dizer, as palavras sumiram de sua boca. Logo ele, mestre da arte de responder questões e testar hipóteses.

Seu caminho até aquele momento não havia sido fácil, para se tornar realidade seu projeto de doutorado demandou muitas escolhas difíceis e o forçou a abrir mão de uma companheira querida e de uma oportunidade profissional promissora. E agora aquele ser, sem o menor pudor, questionava suas qualificações.

- Sou pesquisador da área ambiental, meu trabalho busca identificar os principais pontos de sustentação do equilíbrio que se estabelecem em uma floresta tropical madura. Minha hipótese é de que uma vez entendidos esses pontos, intervenções no bioma poderão ser feitas, de forma a minimizar os impactos de uma ocupação antrópica.

O vento soprou forte, fazendo tocar a melodia natural composta pelos ocos das árvores.

- Sim, mas eu perguntei se VOCÊ está preparado – insistiu a Sumaúma.

- Meu trabalho está em fase avançada, dentro do cronograma inicial que previa a coleta de dados em campo para o terceiro trimestre e...

- Sim, eu entendi, é o equilíbrio que você busca. Deixe-me melhorar a pergunta: sua mente está equilibrada?

- Completamente! Disse o pesquisador em tom ríspido, já se cansando daquela baboseira.

- Então pode me derrubar! Bradou a árvore.

Surpreso com entrega tão verdadeira, o pesquisador não conseguiu seguir com seu plano, ao invés disso perguntou:

- Você poderia me dizer algo sobre o equilíbrio?

- Ah! Então você também sabe usar o ponto de interrogação? Brincou a árvore antes de continuar: o equilíbrio aqui não se estabelece como aparentemente se pensa. Não estamos competindo, mas também não estamos nos ajudando. Não somos organismos separados, mas também não estamos sós. A cada novo instante a floresta envelhece e envelhecemos com ela, inclusive as novas sementes, que ainda nem germinaram. Meu esforço é de adaptação as condições que se estabelecem a cada novo momento, dinamicamente. Olhando de fora parece que existe um grande caos estabelecido nesse ambiente; esse caos é gerado no processo de manutenção da vida, mas também combatido continuamente por essa mesma vida. Dessa forma, os pontos de equilíbrio se alteram sempre que necessário e assim tem sido desde que essa grande brincadeira começou a alguns bilhões de anos atrás.

- Muito diferente do mundo de onde venho. Deixou escapar o cientista.

- É mesmo? Eu imagino que vocês estejam buscando pelo equilíbrio também, todos juntos, mas cada um por si. Afirmando e reafirmando a individualidade como maior dos benefícios e buscando através da realização pessoal a sonhada prosperidade. Dessa forma, a princípio egoísta, constrói-se uma sociedade mais rica cultural e economicamente, que se adapta as condições impostas pela constante mudança ocasionada pelo envelhecer do universo. Não cometa o mesmo erro de outros, em achar que o equilíbrio possa ser imposto a entidades que atuam através da desorganização. Se você quiser realmente encontrar o equilíbrio pelo qual busca, terá de procurá-lo além da sua mente, onde a essência de tudo que existe está guardada. A nossa Essência comum.

10/06/2010

Filhote de Dragão

"Tenho muito medo", disse a borboleta com lágrimas nos olhos, antes de fechar-se novamente em seu casulo de seda.

Mal sabia que ela, pequenina assim, ousava voos mais altos do que qualquer outra de sua espécie já havia ao menos sonhado.

Pouco antes de sua não fácil decisão era comum ouvir nos corredores sussurros sobre sua atitude:

"Tadinha, deve ter enlouquecido". Diziam alguns.

"É só uma fase, vai passar". Diziam outros.

"Tenho tanto medo que ela sofra". Profetizava a mãe.

Porém, nada seria capaz de demovê-la de seu nobre objetivo. Afinal não era sua culpa ter nascido alma tão grande em um corpo tão frágil.

Quando ela finalmente emergiu de seu sono profundo eu não estava presente, ninguém estava. Seu nascimento foi testemunhado apenas pela vida, que gentilmente cuidou de sua gestação.

Sua nova forma era tão grande, mas tão grande que seus semelhantes nem mesmo eram capazes de enxergá-la. Sua vontade tão grande, mas tão grande, que o Sol as vezes atrasava um pouco sua ida, apenas para contemplá-la por mais alguns segundos.

Não mais cabendo nos mesmos moldes seu corpo fundiu-se com o próprio céu. Agora do bater de suas asas formam-se tornados e da leveza de seu voo os mais belos fins de tarde.

Até hoje quando chove costumo caminhar até o jardim, apenas para dizer:
"Não chore tanto pequena borboletinha, seus receios são libertadores".

09/06/2010

Embabaqueci!

Desculpem-me.

Não sei se nessas situações um pedido de desculpas seria justificável, mas não custa nada pedir.

Algumas semanas atrás coloquei no Facebook a seguinte frase: "a cada aula me sinto mais e mais ignorante" (apenas para situar os visitantes, esse ano voltei a estudar formalmente no ambiente acadêmico).

Posso dizer que tenho aprendido muito sobre o que não preciso para minha vida como ser humano, mas muito do que preciso para minha vida que paga as contas no fim do mês.

Voltar a estudar depois de quase 7 anos me fez reencontrar formas de pensar que não usava mais. Me fez relembrar sobre como se estrutura um pensamento, como se usa a lógica, como se embasa um argumento e é claro que transportei isso para outros assuntos da minha vida; justamente aqueles que falo nessa página.

Por isso mesmo, reforço o pedido de desculpas aos amigos antigos, que tem reclamado do eu novo, que não é mais tão sagaz ou sarcástico como outros tempos. Peço desculpas pela falta de criticismo e liberação, talvez eu mesmo esteja preso no momento.

Nesse processo de emburrecimento inteligente, vou juntando conhecimento e mergulhando na ignorância, condecorado com notas suficientes para a aprovação trimestral. Sorrio na saída da máquina de produção de executores de tarefas e pensadores pós-modernos em merda alguma.

Para concluir cito um grande mestre, quando perguntado sobre sua formação: "se tivesse estudado, seria um imbecil" (Marley, 1980).

02/04/2010

Explode coração!

Não sei se foi o remédio para a garganta, o analgésico para febre, o álcool da cerveja, ou a união dos três que me deram uma experiência bem intensa e confortante ontem pela noite.

Coloquei a cabeça no travesseiro para dormir quando senti o coração acelerado e palpitante. Definitivamente fora do normal. Peguei o relógio e contei as pulsações: 120 por minuto em total repouso.

Olhei para o lado, vi a mulher dormindo e pensei: vou acorda-lá, preciso ir pro hospital. Acontece que por essas coisas da vida, no dia seguinte ela teria uma importante entrevista de emprego, logo o babaca aqui não queria estragar o repouso da linda.

Fui para a sala, meditei, relaxei, assisti TV e depois de uma hora o ritmo cardíaco ainda continuava na mesma. Sem sair de casa eu sentia que tinha corrido uma maratona!

Lembrei de meu irmão, quando ele também passou por uma experiência semelhante. Fechei os olhos, aprofundei a respiração e depois de alguns minutos notei que a pulsação caiu. Medi novamente e agora estava próximo a 100. Já era alguma coisa.

Fui então me deitar às 4 horas da madrugada, o peito dolorido, a cabeça acessa e um cansaço profundo. Foi quando fechei os olhos que senti uma probabilidade enorme de não acordar no dia seguinte. Que viagem.

Mas viagem mesmo foi a falta de medo. Uma coisa é o machão que bate no peito e grita que não tem medo da morte, sentado confortavelmente na poltrona de sua sala. Outra coisa é não sentir medo naqueles momentos que a morte chega pertinho e você sente até o seu bafo.

Mais um renascimento pra lista, to ficando bom nisso! Azar de vocês que ainda terão de ler essas porcarias durante algum tempo. Ou não.