10/11/2012

Esquerdos humanos para humanos esquerdos

Me deparei hoje com um texto de Matheus Pichonelli da Carta Capital com o título "Direitos humanos para humanos direitos" e me veio a inspiração de escrever essa resposta.

Recomendo ler o texto da Carta Capital antes de ler o meu, para dar o contexto certo: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/direitos-humanos-para-humanos-direitos/

Esquerdos humanos para humanos esquerdos

Quisera eu que Raul fosse um sujeito inventado pelos amigos da faculdade para personalizar tudo que não queríamos nos transformar ao longo dos anos, infelizmente, Raul, ou Raulzito como ele gosta de ser chamado, é uma praga que infesta os corredores do campus.


Raulzito, revolucionário de bar e ativista do próprio umbigo.

Raulzito não é uma pessoa ou estereótipo, na verdade é o fruto de uma sociedade em relativo equilíbrio social, que só aprendeu o que é violência pelo noticiário da televisão e pelos jogos do videogame. Raulzito é um revolucionário que nunca passou sofrimento de verdade.

É a favor do casamento gay, mas nunca manteve um relacionamento sério por mais de seis meses. É a favor da liberação da maconha, mas sempre que fuma esquece a data do protesto. Toda a noite precisa dar um pega num baseadinho da massa para conseguir dormir, mas diz que não é viciado, afinal, maconha não vicia. Seu lema é “hasta la victoria siempre”, que leu no quadro de um hotel na recoleta em Buenos Aires, em uma de suas muitas viagens financiadas por papai. Em sua fase mais radical, ativista dos direitos animais, deixou de comer carne, mas não de peixe, porque rodízio de sushi é sagrado.

Cita autores e conhece os principais livros de esquerda, ama de paixão o Das Kapital, mas nunca leu, porque a professora não disponibilizou no xérox. Raulzito é assim, acostumado a ter tudo na mão. Defende a igualdade entre os povos e sonha com o fim das favelas, mas nunca trocou mais de duas frases com Dolores, a faxineira nordestina favelada que o criou. É ativista feroz dos direitos humanos, mas ficou ao lado da mãe quando Dolores um dia cobrou seus direitos, depois de 20 anos trabalhando sem carteira assinada.

Raulzito faz mobilizações virtuais e abaixo assinados contra desocupações de favelas em bairros distantes que, normalmente, nunca ouviu falar, mas sempre que pode caçoa do mendigo que costuma esmolar no farol da faculdade. Sua relação com as pessoas que passam por necessidades, porém, é muito amistosa, desde que o vidro filmado de seu carro esteja fechado e o ar condicionado ligado.

Eventualmente Raulzito e Almeidinha se encontram na fila do caixa do supermercado. Raulzito com um pack de Heineken e dois pacotes de Doritos e Almeidinha com a compra do mês e uma caixinha de Brahma. Almeidinha paga com uns trocados e passa o resto no débito, enquanto Raulzito joga tudo em seu cartão Emerald Premium sem limite. Raulzito sai com as compras em duas sacolinhas plásticas, ele queria usar sua sacola retornável, mas esqueceu no porta-malas do carro e ficou com preguiça de ir buscar.

Raulzito defende uma sociedade melhor, mas tem dificuldade em lidar com pessoas. Suas opiniões são definidas por uma visão reacionária dos fatos, baseada numa lógica distorcida de que o contrário do ruim é bom. Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador.

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