03/07/2013

Pés gelados


Há meses durmo na geladeira. A cama é fria sem seu pé para encostar no meu, sem sua mania de roubar meu travesseiro no meio da noite.

O barulho do portão não alegra mais quando se fecha. Difícil preencher essa grande casa sozinho.

Os corredores perderam a vida, as coisas pegaram a mania de ficar absolutamente imóveis, como se tivessem o destino traçado.

Me perco em meio à bagunça dos meus pensamentos, como se a cabeça não desse mais pé, manchada por um espesso fundo escuro.

Se não fosse a rispidez da insensibilidade talvez tudo fosse diferente. Ingênuo imagino que alguém deveria tentar se colocar em meu lugar para sentir minha dor, mas ao mesmo tempo não recordo quando fiz algum esforço para ouvir o coração do outro.

Coloco mais um cobertor na cama, mas mesmo as três camadas de lã não me isolam do ambiente. O frio vem de dentro; germina da gruta onde guardei nossas lembranças. Inverno ártico permanente.

Pela manhã, envolvido nas atividades, não me recordo do que busco esquecer. O passar triunfante do dia me convence que superei o abandono, que tudo não passa de um machucadinho do passado que já cicatrizou. Como desejo que tudo fosse só dia, só triunfo, só cicatriz, se assim fosse poderia ao menos dormir uma noite inteira. Saudades da paz que guardava as madrugadas.

Eu não mereço isso! O que fiz para ser punido dessa forma? Alguém, por favor, me enterre. Não quero mais ver a luz, não quero mais enxergar esperança. O mundo é podre e as pessoas vazias, é assim que contemplo a vida do interior do meu cordão de isolamento.

Sofrer é dolorido, então escolho não sentir. O remédio é mais amargo que a doença. Fugindo das expectativas desaprendo a sonhar. Da caixa de lápis de cor só me sobrou o cinza para traçar o futuro.

E assim, diante da minha verdade em preto em branco, quem você pensa que é para oferecer colorido? Qual o motivo do seu interesse? Apenas me humilhar novamente? O que tem por trás dessa generosidade? Se bem que olhando assim de perto, bem de perto, reconheço no fundo de suas pupilas a mesma gruta fria que carrego em mim; a mesma essência gelada que me entorpece.

Me faz mais leve, mesmo que seja temporário, pois não mais preciso de amores eternos. Esfrega seu pé no meu, esfrega, que tudo que precisamos é de um pouquinho de calor.